sexta-feira, abril 28, 2006

O teatro como fundação para o pensamento e concepção de linguagens de mediação - acção e significado (versão 2.0)

Tal como já foi referido no post anterior, o público adquire, actualmente, um papel bastante mais activo, participando no desenvolvimento e na definição da acção.
Esta tendência veio trazer novos desafios aos criadores de obras de arte, uma vez que é necessário repensar os meios à sua disposição para veicular o “Conceito” que pretendem transmitir.
A Arte digital procura precisamente desenvolver novas formas de estabelecer uma relação com o público, tal como refere o estudo “Criatura Digital – Redimensão do Lugar Cénico”, de Bruno Giesteira e João Mota. Neste estudo, os autores referem também Bruce Kurtz para indicar a necessidade de explorar o “sentido de novidade, intimidade, instantaneidade, envolvimento e, particularmente, o sentido do tempo presente”, o que constitui um dos objectivos principais da Arte digital.

O novo papel do público vem também dar uma nova relevância ao Lugar da Acção ou Lugar Cénico. A noção de espaço acompanhou também o desenvolvimento da Arte. Este é agora um espaço de identidade, afectividade e simbolismo, onde se procura criar uma “relação mais íntima entre o sujeito e o objecto da acção, de forma a atenuar os limites entre a vida e a cena”.
A tecnologia digital oferece diversas potencialidades a este nível, na medida em que permite desenvolver ambientes imersivos, nomeadamente através de sistemas de realidade virtual, onde o público se sente parte da acção.
Procura-se actualmente uma interacção mais espontânea e intuitiva que permita criar uma maior proximidade entre o público ou o utilizador de uma interface e as acções realizadas.

Partindo da ideia de que o público adquiriu uma nova dimensão, Brenda Laurel (designer, investigadora, escritora e performer americana) procura dar um maior destaque ao participante ou utilizador de uma actividade de interacção humano – computador.
O trabalho desenvolvido por Brenda Laurel procura desmistificar a ideia do estabelecimento de uma relação “fria” e distante entre a máquina e o computador. Defende ainda a “ubiquidade” da tecnologia, para que esta permita criar uma espécie de unidade entre o público e a acção, tal como acontece no Teatro, onde a audiência se torna parte da acção e estas adoptam um objectivo único e conjunto. Tendo em conta esta linha de pensamento, não é de estranhar que Brenda Laurel tenha raízes no mundo do Teatro e não tenha um percurso exclusivamente ligado aos computadores.
Assim, tal como Meyerhold (actor e encenador russo) sistematizou para o Teatro, ao colocar a luz, o cenário e o actor no mesmo patamar no palco, também Brenda Laurel considera que o participante de uma actividade humano – computador está ao mesmo nível que os restantes agentes virtuais.
Para além disso, Brenda Laurel procura também transpor as linguagens de mediação usadas no Teatro para os sistemas de interacção humano – computador. Ou seja, procura estabelecer relações entre o universo teatral e o universo computacional ao nível das linguagens e mecanismos que permitem a comunicação entre o sistema e o participante, o que, de acordo com o estudo “Criatura Digital – Redimensão do Lugar Cénico”, irá trazer vantagens para o os sistemas humano – computador, conferindo-lhes “maior realismo e proximidade emocional com as acções representadas, optimizando emotiva e sensorialmente o diálogo entre o humano e o sistema”.

No seu livro “Computer as Theatre”, Brenda Laurel defende que os princípios das linguagens de mediação e do design de interacção podem partir de várias convenções teatrais, nomeadamente, alguns princípios enumerados por Aristóteles. Recorrendo às premissas “herdadas” do Teatro, Brenda Laurel procura minimizar, ou mesmo fazer desaparecer, a presença da sensação de se estar a lidar com uma interface, para que o agente humano se concentre essencialmente na acção a desempenhar.
Brenda Laurel acredita que o computador oferece inúmeras possibilidades, para além de apenas transmitir factos e dados. Defende que, tal como acontece no Teatro, o computador pode ser usado como um meio para fazer chegar ao agente humano emoções e experiências.
De facto, parece notório que, actualmente, o design percorre um caminho mais direccionado para uma vertente mais interactiva e mais “teatral”, uma vez que o computador deixa se ser visto como uma mera ferramenta de trabalho e passa a ser encarado, tal como referem Bruno Giesteira e João Mota, como “o meta-meio computacional” que poderá levar o participante a sentir “o envolvimento e a sensação de se tornar agente directo de uma representação, respondendo aos novos paradigmas de interacção que se avizinham – do “desktop” ao “ubiquitous computing”, abrindo uma nova dimensão ao prazer dramático”.

Com este objectivo de relacionar o universo teatral e computacional, Brenda Laurel parte, então, dos seis elementos qualitativos do drama, identificados por Aristóteles, e adapta-os ao mundo da interacção humano – computador.
Estes seis elementos são, assim, Acção, Personagens, Pensamento, Linguagem, Padrão e Espectáculo.
A Acção é responsável pelo desencadear e pelo desenvolvimento dos restantes elementos, sendo esta que impõe os requisitos e características dos outros elementos qualitativos da representação.
A Personagem corresponde às entidades que podem despoletar acções, sendo que este elemento tem uma série de restrições e predisposições, que estão relacionadas com as acções que o agente pode ou não desempenhar.
Estas restrições podem ser apresentadas ao agente humano durante a acção, por exemplo, através de menus e comandos sempre visíveis. Para proporcionar um maior conforto ao agente humano no contacto com o sistema, pode-se também “atrasar” a interacção do agente humano através da criação de uma “introdução” expositiva para que o agente se sinta familiarizado com o sistema.
O Pensamento, de acordo com Brenda Laurel, está relacionado com o processo de escolha e, consequentemente, com a cognição, emoção e razão. O elemento pensamento está, assim, na origem dos elementos Linguagem, Padrão e Espectáculo, uma vez que é a partir de uma determinada escolha, ou seja a partir de um Pensamento, que o agente humano (Personagem) desencadeia a Linguagem e também o Padrão e o Espectáculo.
Quanto ao processo de escolha, Brenda Laurel recorre ao modelo de representação de Stanislavski (actor e encenador russo) para ajudar a compreender os processos de escolha do agente humano e perceber de que forma a escolha pode ser afectada por motivos de ordem emotiva e psicológica.
O elemento Linguagem corresponde à forma de comunicação entre a audiência e a acção, ou seja, entre o agente humano e o computador. A Linguagem é, então, expressa por todos os dispositivos que podem ser usados pelo agente humano, tais como: teclado, rato, dispositivos de reconhecimento de voz, animações, signos gráficos, etc. A Linguagem está, então, naturalmente condicionada pelos dispositivos de input e output, disponibilizados pelo sistema.
O Padrão é apenas um fenómeno sensorial, uma vez que torna físico o elemento Linguagem através de sons, imagens ou movimento.
O elemento Espectáculo surge, assim, como o elemento final, sendo o resultado a ligação entre todos os elementos qualitativos.

Desta forma, Brenda Laurel consegue sistematizar a ligação entre os diversos agentes de um sistema humano – computador, integrando-os no mesmo nível de acção, tal como Meyerhold havia perspectivado para o universo do Teatro. Brenda Laurel, ao basear-se também no trabalho de Stanislavski, procura mostrar as potencialidades dos sistemas humano – computador, defendendo a introdução de aspectos psicológicos e emotivos e enfatizando relações e interacções humano – computador com um cariz mais dramático e mais próximo do Teatro.

1 Comments:

At 10:35 da manhã, Blogger Juliana M. said...

Como não podia deixar de ser, mais um bom artigo.
Fazes uma abordagem bastante completa ao tema, e referes os aspectos mais importantes.
Bom trabalho

 

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