quinta-feira, maio 25, 2006

Danças com computadores (versão 1.0)

O palco, a tela, o bailarino e o computador. Estes são os intervenientes de uma “conversa” inovadora. Deixa-se para trás o conceito do computador como ferramenta e começa-se a vê-lo como interlocutor.
No palco o bailarino expressa a sua arte. Na tela surgem as “reacções” da máquina na figura de uma silhueta humana, o resultado de uma “conversa” humano-computador, em que o último age a partir dos movimentos do bailarino. Ou seja, o ser humano torna-se um periférico que despoleta uma acção no computador.
Esta “conversa” constitui a performance de SWAP, um espectáculo desenvolvido no âmbito de ligar e interseccionar a Dança e a Arte Digital, mais propriamente relacionada com a interacção.




Com este objectivo, o projecto SWAP desenvolveu um sistema de realidade virtual aumentada que captura a imagem do bailarino em tempo real e procura criar um ambiente imersivo onde este possa interagir milhares de pequenas partículas. O comportamento das partículas modifica-se acordo com os movimentos do bailarino, dando origem à “conversa” e à interacção Homem-máquina.


Este trabalho vai de encontro aos princípios apresentados por Brenda Laurel e referidos no post anterior.
De acordo com esta investigadora, tal como Meyerhold (actor e encenador russo) defende que acontece com os elementos teatrais, ao colocar a luz, o cenário e o actor no mesmo patamar, também na interacção humano-computador todos os elementos estão ao mesmo nível, adquirindo igual importância no desenrolar da acção.
Desta forma, o trabalho de Brenda Laurel, apresentado no livro “Computer as Theatre”, procura mostrar que a relação entre o Homem e o computador não tem necessariamente de ser “fria” e distante. A autora defende também o conceito da “ubiquidade” da tecnologia, com objectivo de criar uma unidade entre o público e a acção, ou seja, entre o Homem e a máquina. Assim, tal como acontece no Teatro, onde o público foi adquirindo cada vez mais relevância ao longo do tempo, transformando a audiência num elemento chave que se torna parte da acção, também na interacção humano-computador todos os elementos intervenientes contribuem para um objectivo único e conjunto.
No SWAP temos, precisamente, esta dimensão cénica da ligação humano-computador, em que todos os elementos são relevantes para a acção. O bailarino é o ponto de partida, ele inicia a “conversa”, dando os “inputs”ao computador. Este “interpreta” o bailarino e “escreve” essa sua interpretação na tela. A tela, por sua vez, é a interface que liga dois mundos aparentemente tão diferentes e incomunicáveis.
A partir do que vê na interface, o bailarino faz novos movimentos, como se desafiasse a máquina para ver do que esta é capaz.
A performance de SWAP ilustra de uma forma inequívoca o carácter cénico da relação homem-computador. De acordo com Brenda Laurel, o computador ultrapassa o universo da mera transmissão de factos e dados, oferendo ínumeras possibilidades. O computador pode, actualmente, ser usado não apenas como uma ferramenta de trabalho, mas como um meio para transmitir ao agente humano emoções e experiências, tal como se procura apresentar durante o SWAP.

Andreia Sousa, designer, actualmente a trabalhar em aplicações de alto risco esteve presente na elaboração do projecto SWAP como observadora.
Esta designer desenvolveu também um projecto um pouco semelhante ao SWAP, mas que levava um pouco mais além os objectivos do SWAP e a “conversa” entre o bailarino e a máquina, aumentando a interactividade.
A coordenação humano-computador do SWAP baseia-se num sistema de acção – reacção, mas, de acordo com Andreia Sousa, tudo estava muito cronometrado e o erro minimizado. Ou seja, a “conversa” do SWAP, como qualquer espectáculo, estava demasiado ensaiada para permitir perceber o verdadeiro alcance das possibilidades da interacção humano-computador. Faltava, então, um toque de espontaneidade que permitisse levar mais longe esta relação entre o Homem e a máquina.
O trabalho desenvolvido por Andreia Sousa tinha como objectivo uma interacção mais ampla entre o Homem e o computador.
Os intervenientes desta “conversa” eram os mesmos, mas o resultado surgia representado de uma forma mais abstracta.
O computador continua a reagir aos movimentos do bailarino. Existem acções que são controladas por estes dois intervenientes, mas existem outras que só podem ser despoletadas ou pelo bailarino ou pelo computador.
Neste trabalho pretende-se que exista uma componente de improviso e de experimentação que não estava presente na performance de SWAP.

Andreia Sousa desenvolveu também um projecto experimental sobre a vida e o percurso de cada um. Este trabalho tinha como objectivo criar uma narrativa não linear que pudesse ilustrar este conceito.
Partindo da obra de William Burroughs que apresenta o mundo como uma construção feita a partir de vários fragmentos, Andreia Sousa criou uma interface que permitisse a cada utilizador criar a sua própria narrativa, como se fosse uma metáfora do seu percurso de vida.
Durante o seu “caminho” por esta interface, o utilizador é convidado a explorar e a descobrir podendo accionar ou desligar certas acções que exibem sons, imagens, textos e vídeos, relacionados com a interpretação da obra de William Burroughs e do conceito subjacente a este projecto.
Quando o utilizador deixa a aplicação aparece a sua narrativa, ou seja, o seu percurso ao longo da aplicação. Esta narrativa é composta por informação textual onde estão registados todos os momentos em que o utilizador accionou ou desactivou uma determinada acção.

Apesar das várias diferenças entre estes trabalhos, decorrentes do objectivo próprio de cada um deles, existe uma semelhança que os une. Em todos eles, o computador não é usado como uma ferramenta de trabalho ao serviço de um ser humano. Pelo contrário, nestes projectos, o computador é, claramente, um meio que interage com o utilizador, respondendo aos estímulos dados pelo agente humano. Aqui, o computador, através das suas “respostas” transmite emoções e experiências, contribuindo para o desenrolar da acção, e mostrando a sua faceta “cénica”, tal como é também apresentado no trabalho de Brenda Laurel.

Andreia Sousa desenvolve actualmente um trabalho bastante diferentes dos que foram apresentados. Como designer de aplicações de alto risco, o seu desafio actual é criar interfaces para serem utilizadas nos hospitais por funcionários da área de saúde. No desenvolvimento do seu trabalho, esta designer tem que ter sempre presentes questões relacionadas com a usabilidade, uma vez que lida com aplicações que não podem induzir o utilizador em erro. Tem também que ter em conta o ambiente e as condições em que o software será utilizado para que este se adapte à função e interfira o menos possível na relação médico-doente. É ainda necessário ter em conta que a interface tem que ser desenvolvida para um sistema de touch screen, o que obriga a bastantes restrições a nível de design.

Em aplicações deste género o interface tem que ser o mais "transparente" possível. Ou seja, o conteúdos e as opções têm que estar bem vísiveis no momento exacto sem qualquer margem para erro, mas de uma forma que não altere os métodos de trabalho dos médicos e de maneira a que a interface não desvie a atenção do médico para o computador, deixando de lado o paciente.

Assim, a interface tem que se adequar à função pretendida, mas sem adquirir demasiado protagonismo. E pode ser neste aspecto que encontramos uma relação entre o trabalho actual de Andreia Sousa, onde se pretende criar uma ferramenta para auxiliar o trabalho dos profissionais de saúde, e os trabalhos anteriormente referidos, com um carácter marcadamente experimental onde se pretende que a interface seja um meio que transmite emoções e experiências ao utilizador. Em todos estes trabalhos procura-se eliminar a presença da interface, tendo como objectivo aproximá-la do utilizador para que, tal como defende Brenda Laurel, o agente humano e o computador se unam para concretizar um objectivo único e conjunto.