O teatro como fundação para o pensamento e concepção de linguagens de mediação - acção e significado (versão 2.0)
Tal como já foi referido no post anterior, o público adquire, actualmente, um papel bastante mais activo, participando no desenvolvimento e na definição da acção.
Esta tendência veio trazer novos desafios aos criadores de obras de arte, uma vez que é necessário repensar os meios à sua disposição para veicular o “Conceito” que pretendem transmitir.
A Arte digital procura precisamente desenvolver novas formas de estabelecer uma relação com o público, tal como refere o estudo
“Criatura Digital – Redimensão do Lugar Cénico”, de Bruno Giesteira e João Mota. Neste estudo, os autores referem também Bruce Kurtz para indicar a necessidade de explorar o “sentido de novidade, intimidade, instantaneidade, envolvimento e, particularmente, o sentido do tempo presente”, o que constitui um dos objectivos principais da Arte digital.
O novo papel do público vem também dar uma nova relevância ao Lugar da Acção ou
Lugar Cénico. A noção de espaço acompanhou também o desenvolvimento da Arte. Este é agora um espaço de identidade, afectividade e simbolismo, onde se procura criar uma “relação mais íntima entre o sujeito e o objecto da acção, de forma a atenuar os limites entre a vida e a cena”.
A tecnologia digital oferece diversas potencialidades a este nível, na medida em que permite desenvolver ambientes imersivos, nomeadamente através de sistemas de realidade virtual, onde o público se sente parte da acção.
Procura-se actualmente uma interacção mais espontânea e intuitiva que permita criar uma maior proximidade entre o público ou o utilizador de uma interface e as acções realizadas.
Partindo da ideia de que o público adquiriu uma nova dimensão,
Brenda Laurel (designer, investigadora, escritora e performer americana) procura dar um maior destaque ao participante ou utilizador de uma actividade de interacção humano – computador.
O trabalho desenvolvido por Brenda Laurel procura desmistificar a ideia do estabelecimento de uma relação “fria” e distante entre a máquina e o computador. Defende ainda a “ubiquidade” da tecnologia, para que esta permita criar uma espécie de unidade entre o público e a acção, tal como acontece no Teatro, onde a audiência se torna parte da acção e estas adoptam um objectivo único e conjunto. Tendo em conta esta linha de pensamento, não é de estranhar que Brenda Laurel tenha raízes no mundo do Teatro e não tenha um percurso exclusivamente ligado aos computadores.
Assim, tal como
Meyerhold (actor e encenador russo) sistematizou para o Teatro, ao colocar a luz, o cenário e o actor no mesmo patamar no palco, também Brenda Laurel considera que o participante de uma actividade humano – computador está ao mesmo nível que os restantes agentes virtuais.
Para além disso, Brenda Laurel procura também transpor as linguagens de mediação usadas no Teatro para os sistemas de interacção humano – computador. Ou seja, procura estabelecer relações entre o universo teatral e o universo computacional ao nível das linguagens e mecanismos que permitem a comunicação entre o sistema e o participante, o que, de acordo com o estudo “Criatura Digital – Redimensão do Lugar Cénico”, irá trazer vantagens para o os sistemas humano – computador, conferindo-lhes “maior realismo e proximidade emocional com as acções representadas, optimizando emotiva e sensorialmente o diálogo entre o humano e o sistema”.
No seu livro “Computer as Theatre”, Brenda Laurel defende que os princípios das linguagens de mediação e do design de interacção podem partir de várias convenções teatrais, nomeadamente, alguns princípios enumerados por
Aristóteles. Recorrendo às premissas “herdadas” do Teatro, Brenda Laurel procura minimizar, ou mesmo fazer desaparecer, a presença da sensação de se estar a lidar com uma interface, para que o agente humano se concentre essencialmente na acção a desempenhar.
Brenda Laurel acredita que o computador oferece inúmeras possibilidades, para além de apenas transmitir factos e dados. Defende que, tal como acontece no Teatro, o computador pode ser usado como um meio para fazer chegar ao agente humano emoções e experiências.
De facto, parece notório que, actualmente, o design percorre um caminho mais direccionado para uma vertente mais interactiva e mais “teatral”, uma vez que o computador deixa se ser visto como uma mera ferramenta de trabalho e passa a ser encarado, tal como referem Bruno Giesteira e João Mota, como “o meta-meio computacional” que poderá levar o participante a sentir “o envolvimento e a sensação de se tornar agente directo de uma representação, respondendo aos novos paradigmas de interacção que se avizinham – do “desktop” ao “ubiquitous computing”, abrindo uma nova dimensão ao prazer dramático”.
Com este objectivo de relacionar o universo teatral e computacional, Brenda Laurel parte, então, dos seis elementos qualitativos do drama, identificados por Aristóteles, e adapta-os ao mundo da interacção humano – computador.
Estes seis elementos são, assim, Acção, Personagens, Pensamento, Linguagem, Padrão e Espectáculo.
A
Acção é responsável pelo desencadear e pelo desenvolvimento dos restantes elementos, sendo esta que impõe os requisitos e características dos outros elementos qualitativos da representação.
A
Personagem corresponde às entidades que podem despoletar acções, sendo que este elemento tem uma série de restrições e predisposições, que estão relacionadas com as acções que o agente pode ou não desempenhar.
Estas restrições podem ser apresentadas ao agente humano durante a acção, por exemplo, através de menus e comandos sempre visíveis. Para proporcionar um maior conforto ao agente humano no contacto com o sistema, pode-se também “atrasar” a interacção do agente humano através da criação de uma “introdução” expositiva para que o agente se sinta familiarizado com o sistema.
O
Pensamento, de acordo com Brenda Laurel, está relacionado com o processo de escolha e, consequentemente, com a cognição, emoção e razão. O elemento pensamento está, assim, na origem dos elementos Linguagem, Padrão e Espectáculo, uma vez que é a partir de uma determinada escolha, ou seja a partir de um Pensamento, que o agente humano (Personagem) desencadeia a Linguagem e também o Padrão e o Espectáculo.
Quanto ao processo de escolha, Brenda Laurel recorre ao modelo de representação de
Stanislavski (actor e encenador russo) para ajudar a compreender os processos de escolha do agente humano e perceber de que forma a escolha pode ser afectada por motivos de ordem emotiva e psicológica.
O elemento
Linguagem corresponde à forma de comunicação entre a audiência e a acção, ou seja, entre o agente humano e o computador. A Linguagem é, então, expressa por todos os dispositivos que podem ser usados pelo agente humano, tais como: teclado, rato, dispositivos de reconhecimento de voz, animações, signos gráficos, etc. A Linguagem está, então, naturalmente condicionada pelos dispositivos de input e output, disponibilizados pelo sistema.
O
Padrão é apenas um fenómeno sensorial, uma vez que torna físico o elemento Linguagem através de sons, imagens ou movimento.
O elemento
Espectáculo surge, assim, como o elemento final, sendo o resultado a ligação entre todos os elementos qualitativos.
Desta forma, Brenda Laurel consegue sistematizar a ligação entre os diversos agentes de um sistema humano – computador, integrando-os no mesmo nível de acção, tal como Meyerhold havia perspectivado para o universo do Teatro. Brenda Laurel, ao basear-se também no trabalho de Stanislavski, procura mostrar as potencialidades dos sistemas humano – computador, defendendo a introdução de aspectos psicológicos e emotivos e enfatizando relações e interacções humano – computador com um cariz mais dramático e mais próximo do Teatro.
O teatro como fundação para o pensamento e concepção de linguagens de mediação - acção e significado (versão 1.0)
A procura de novas formas de expressão e de representação da realidade criou uma ruptura com a visão “tradicional” da arte, pautada por um carácter mais autónomo e mais distante do público. Nasceu, desta forma, uma vontade de transformar o público em algo mais do que um mero espectador que apenas “passa” pela obra sem deixar a sua “impressão”.
Assim, o público é, actualmente, o elemento fundamental em muitos trabalhos artísticos. Instações ou algumas peças de teatro podem constituir exemplos de obras onde o público é chamado a intervir e mesmo a ser mais do que a personagem principal. O público passa a ser também criador da obra, na medida em que esta se vai desenvolvendo e evoluindo a partir dos inputs do público.
O desenvolvimento dos meios tecnológicos e a cada vez maior versatilidade que estes proporcionam dão ainda mais destaque a esta tendência, uma vez que constituem os meios ideais para despoletar a participação do público. A Arte Digital, ou seja a arte assistida por computador, procura precisamente criar um ambiente onde o público possa interagir com múltiplas ideias e objectos.
Surge, então, a necessidade de criar novas formas de comunicação com o público para convidá-lo a participar na obra e também para que este possa perceber como interagir. Ou seja, é necessário desenvolver mecanismos e linguagens de mediação entre o público e a acção, para que se possa criar um ambiente imersivo que apele à participação do público.
Acção, Personagens, Pensamento, Linguagem, Padrão, Espectáculo são definidos por Aristóteles como elementos qualitativos do drama. Brenda Laurel parte desta sistematização para a adaptar ao meio computacional e criar meio de comparação entre o universo do teatro e o universo da interacção humano-computador.
Bruno Giesteira e João Mota, no estudo “Criatura Digital – Redimensão do Lugar Cénico” procuram precisamente analisar o desenvolvimento de linguagens de mediação para perceber como é que se pode estabelecer uma “relação mais íntima e emotiva entre o sujeito e o objecto de acção” durante a interacção do público no “meta-meio computacional, nomeadamente em obras de Arte Digital.
É sobre este estudo que irei falar no próximo post, procurando também perceber de que forma é que o teatro pode ajudar a pensar a interacção com o púbico.
Design emocional
Uma consola de jogos que, para além da sua utilização habitual como meio de entretenimento, pode ser também uma ferramenta de aprendizagem ou meio de demonstração e apresentação de receitas culinárias. No livro “Emotional Design – Why We Love (or Hate) Everyday Things” Donald Norman apresenta esta ideia, ou seja, sugere uma consola de jogos “multifacetada” que pudesse ser usada por toda a família, em tarefas muito diferentes.
Aparentemente, esta ideia parece não ser muito inovadora, uma vez que numa consola de jogos também podemos ver filmes, por exemplo, e não apenas jogar. No entanto, Norman desenvolve esta ideia, afirmando que esta consola poderia adaptar-se à função que estaria a desempenhar num dado momento. Ou seja, a consola iria sofrer um “processo de metamorfose” para apresentar um aspecto diferente consoante a sua utilização.
Assim, se estivéssemos a usar a consola como uma espécie de livro de instruções, que conduz uma reparação de mecânica, esta teria um design mais sério, com uma aparência mais austera e que não pudesse ser facilmente danificado. Apresentaria manuais e desenhos de automóveis e pequenos vídeos com os passos a executar para fazer a reparação. Se a consola fosse usada como um assistente de cozinha, o seu design adaptar-se-ia à decoração da cozinha. Na sala de estar a consola poderia ser usada como uma enciclopédia ou como um adversário em jogos de palavras ou no xadrez, adaptando-se também à ambiência e à mobília da sala.
Norman apresenta, assim, um design adequado à audiência, ao local e à função. Passariam, então, a existir vários tipos de consolas, adequados ao público e à função que se propõem desempenhar.
Quando escolhemos um produto, não pensamos só na sua usabilidade. A componente estética também tem uma interferência muito relevante nesse processo de selecção. Desta forma, a opção por um produto em detrimento de outro tem também um carácter mais psicológico, relacionado com as emoções. Norman defende mesmo que a componente emocional de um produto pode ser mais crítica para o sucesso de um produto do que a sua componente mais “prática”.
Isto é, a escolha de um produto depende da ocasião, do contexto e, principalmente, do estado de espírito.
Com o exemplo da consola de videojogos, Donald Norman introduz também o conceito de design emocional e também os seus três níveis (visceral, behavioral e reflective). Ou seja, cada consola seria pensada para se adequar à sua função, ao contexto em que seria utilizada e, especialmente, ao público-alvo.
Tal como já foi referido, Norman refere três aspectos de design: visceral, behavioral e reflective. O “visceral design” relaciona-se com as aparências, ou seja, tem a ver com a componente estética do produto. O “behavioral design” liga-se ao prazer e à eficácia de utilização. O “reflective design” relaciona-se com a racionalização e a intelectualização do produto (a história que o produto “conta”).
Estas três dimensões fazem parte do design de qualquer produto e estão inter-relacionadas entre si. Para além disso, estas três componentes relacionam-se quer com as emoções, quer com a cognição ou razão.
Ao contrário de muitas tendências que colocam a emoção e a razão em pólos antagónicos, parece claro que a emoção faz parte de todas as tarefas que realizamos (mesmo que inconscientemente) e tem um papel importante mesmo naquelas que são mais racionais.
Para enfatizar esta ideia, Donald Norman refere os estudos de António Damásio. De acordo com este neurocientista, pessoas com deficiências cerebrais que afectam o sistema emocional têm dificuldades em escolher entre duas alternativas, especialmente se estas forem muito semelhantes entre si ou equivalentes. Para além disso, o sistema emocional está intimamente associado a factores comportamentais. A emoção é responsável pela criação de respostas do corpo adequadas a cada situação.
Para Norman, a cognição ou razão ajuda a interpretar e compreender o mundo, enquanto a emoção permite que tomemos decisões mais rápidas sobre este.
Assim, a emoção interfere na forma como solucionamos os problemas, ou seja, o sistema emocional conduz o funcionamento do sistema racional.
Neste aspecto, o desenvolvimento e implementação do design emocional pode trazer muitas vantagens no que diz respeito ao conhecimento do utilizador de um produto e, especialmente, na compreensão da forma como o utilizador “vê” um produto, quais a sensações que lhe provoca e como reage a este.
A componente estética “acorda” as emoções?
A emoção é a personagem principal das decisões do nosso quotidiano, ajudando-nos a lidar com situações distintas, boas ou más.
As emoções positivas são relevantes no que diz respeito à aprendizagem, à curiosidade e ao pensamento criativo. Quando uma pessoa se sente bem consegue, mais facilmente, encontrar soluções mais criativas para os problemas.
E é nesta fase que entra a componente estética. Produtos mais atractivos esteticamente fazem com que os seus utilizadores se sintam melhor, o que faz com que estes pensem de uma forma mais criativa.
Este facto tem também implicações na usabilidade e na eficácia de um produto. Por exemplo, no caso de um programa de software, se utilizador errar vai tentar repetir a operação e pode acabar por desistir, vencido pela ansiedade e pelo stress. Este efeito negativo leva os utilizadores a concentrarem-se nos detalhes e a não procurarem soluções alternativas para resolver o problema. No entanto, se a interface desse produto fosse mais atractiva e conseguisse provocar emoções positivas no utilizador, este estaria mais preparado para desenvolver soluções mais criativas. Ou seja, teria a mente “mais aberta” para encontrar caminhos alternativos.
Em resumo, tudo o que fazemos tem uma componente afectiva que se alia a uma componente cognitiva. A dimensão cognitiva produz significado, enquanto a afectiva produz valor. O nosso estado emocional, quer positivo, quer negativo, influencia a forma como agimos.Assim, o nosso cérebro tem também três níveis de funcionamento - “visceral”, “behavioral” e “reflective” – que correspondem às três dimensões do design já referidas.
O primeiro nível – “visceral” – controla o sistema motor e faz uma análise rápida das situações, levando o corpo a reagir adequadamente, consoante situações boas ou más, de perigo ou de segurança.
O nível “behavioral” não actua conscientemente. Está determinado biologicamente e pode ser inibido ou despoletado pelo nível “reflective” e, por sua vez, pode inibir ou despoletar acções no nível “visceral”.
A última dimensão – “reflective” – relaciona-se com o pensamento consciente, com a aprendizagem de novos conceitos e com generalizações sobre o que nos rodeia.
O cérebro reage de formas diferentes consoante a situação em que se encontra, ou seja, consoante o estado psicológico da pessoa.
O design deve, então, ter em conta o estado psicológico do público-alvo do produto. Assim, se os utilizadores vão usar o produto num contexto descontraído e se são pessoas relaxadas e alegres, o design deve ter em conta que este tipo de utilizadores é mais criativo e conseguirá ultrapassar facilmente alguns problemas, especialmente se o produto lhe despertar sensações positivas durante a sua utilização.
Pelo contrário, se o produto se dirige a pessoas mais tensas ou ansiosas, o designer deve ter em conta que estas estarão mais concentradas, o que lhes “corta” a possibilidade de contornar eventuais problemas. Assim, o design deste produto deve ser pensado para toda a informação necessária para cumprir uma determinada tarefa esteja facilmente disponível. O sistema deve também fornecer um feedback claro e objectivo para que o utilizador perceba se está ou não a realizar a tarefa correctamente.
A componente emocional de um produto, é de facto, relevante para a criação de uma relação com o utilizador e para o levar a usar o produto com mais eficiência e eficácia, através do despoletar de sensações mais positivas que “despertam” a criatividade e a capacidade de contornar e de tolerar pequenos problemas.
Os níveis de funcionamento do cérebro e os correspondentes níveis de design devem ser estudados e desenvolvidos de forma a tornar os produtos mais emocionais, para que estes se possam tornar mais adequados ao utilizador, ou seja, para que estejam mais “próximos” deste.
De acordo, com Donald Norman, este objectivo passa também pela segmentação dos mercados e pela criação de produtos especialmente pensados para as diferentes tipologias de público, uma vez que, de facto, é impossível agradar a gregos e a troianos…