Danças com computadores (versão 1.0)
O palco, a tela, o bailarino e o computador. Estes são os intervenientes de uma “conversa” inovadora. Deixa-se para trás o conceito do computador como ferramenta e começa-se a vê-lo como interlocutor.
No palco o bailarino expressa a sua arte. Na tela surgem as “reacções” da máquina na figura de uma silhueta humana, o resultado de uma “conversa” humano-computador, em que o último age a partir dos movimentos do bailarino. Ou seja, o ser humano torna-se um periférico que despoleta uma acção no computador.
Esta “conversa” constitui a performance de
SWAP, um espectáculo desenvolvido no âmbito de ligar e interseccionar a Dança e a Arte Digital, mais propriamente relacionada com a interacção.
Com este objectivo, o projecto SWAP desenvolveu um sistema de realidade virtual aumentada que captura a imagem do bailarino em tempo real e procura criar um ambiente imersivo onde este possa interagir milhares de pequenas partículas. O comportamento das partículas modifica-se acordo com os movimentos do bailarino, dando origem à “conversa” e à interacção Homem-máquina.
Este trabalho vai de encontro aos princípios apresentados por Brenda Laurel e referidos no post anterior.
De acordo com esta investigadora, tal como Meyerhold (actor e encenador russo) defende que acontece com os elementos teatrais, ao colocar a luz, o cenário e o actor no mesmo patamar, também na interacção humano-computador todos os elementos estão ao mesmo nível, adquirindo igual importância no desenrolar da acção.
Desta forma, o trabalho de Brenda Laurel, apresentado no livro “Computer as Theatre”, procura mostrar que a relação entre o Homem e o computador não tem necessariamente de ser “fria” e distante. A autora defende também o conceito da “ubiquidade” da tecnologia, com objectivo de criar uma unidade entre o público e a acção, ou seja, entre o Homem e a máquina. Assim, tal como acontece no Teatro, onde o público foi adquirindo cada vez mais relevância ao longo do tempo, transformando a audiência num elemento chave que se torna parte da acção, também na interacção humano-computador todos os elementos intervenientes contribuem para um objectivo único e conjunto.
No SWAP temos, precisamente, esta dimensão cénica da ligação humano-computador, em que todos os elementos são relevantes para a acção. O bailarino é o ponto de partida, ele inicia a “conversa”, dando os “inputs”ao computador. Este “interpreta” o bailarino e “escreve” essa sua interpretação na tela. A tela, por sua vez, é a interface que liga dois mundos aparentemente tão diferentes e incomunicáveis.
A partir do que vê na interface, o bailarino faz novos movimentos, como se desafiasse a máquina para ver do que esta é capaz.
A performance de SWAP ilustra de uma forma inequívoca o carácter cénico da relação homem-computador. De acordo com Brenda Laurel, o computador ultrapassa o universo da mera transmissão de factos e dados, oferendo ínumeras possibilidades. O computador pode, actualmente, ser usado não apenas como uma ferramenta de trabalho, mas como um meio para transmitir ao agente humano emoções e experiências, tal como se procura apresentar durante o SWAP.
Andreia Sousa, designer, actualmente a trabalhar em aplicações de alto risco esteve presente na elaboração do projecto SWAP como observadora.
Esta designer desenvolveu também um projecto um pouco semelhante ao SWAP, mas que levava um pouco mais além os objectivos do SWAP e a “conversa” entre o bailarino e a máquina, aumentando a interactividade.
A coordenação humano-computador do SWAP baseia-se num sistema de acção – reacção, mas, de acordo com Andreia Sousa, tudo estava muito cronometrado e o erro minimizado. Ou seja, a “conversa” do SWAP, como qualquer espectáculo, estava demasiado ensaiada para permitir perceber o verdadeiro alcance das possibilidades da interacção humano-computador. Faltava, então, um toque de espontaneidade que permitisse levar mais longe esta relação entre o Homem e a máquina.
O trabalho desenvolvido por Andreia Sousa tinha como objectivo uma interacção mais ampla entre o Homem e o computador.
Os intervenientes desta “conversa” eram os mesmos, mas o resultado surgia representado de uma forma mais abstracta.
O computador continua a reagir aos movimentos do bailarino. Existem acções que são controladas por estes dois intervenientes, mas existem outras que só podem ser despoletadas ou pelo bailarino ou pelo computador.
Neste trabalho pretende-se que exista uma componente de improviso e de experimentação que não estava presente na performance de SWAP.
Andreia Sousa desenvolveu também um projecto experimental sobre a vida e o percurso de cada um. Este trabalho tinha como objectivo criar uma narrativa não linear que pudesse ilustrar este conceito.
Partindo da obra de William Burroughs que apresenta o mundo como uma construção feita a partir de vários fragmentos, Andreia Sousa criou uma interface que permitisse a cada utilizador criar a sua própria narrativa, como se fosse uma metáfora do seu percurso de vida.
Durante o seu “caminho” por esta interface, o utilizador é convidado a explorar e a descobrir podendo accionar ou desligar certas acções que exibem sons, imagens, textos e vídeos, relacionados com a interpretação da obra de William Burroughs e do conceito subjacente a este projecto.
Quando o utilizador deixa a aplicação aparece a sua narrativa, ou seja, o seu percurso ao longo da aplicação. Esta narrativa é composta por informação textual onde estão registados todos os momentos em que o utilizador accionou ou desactivou uma determinada acção.
Apesar das várias diferenças entre estes trabalhos, decorrentes do objectivo próprio de cada um deles, existe uma semelhança que os une. Em todos eles, o computador não é usado como uma ferramenta de trabalho ao serviço de um ser humano. Pelo contrário, nestes projectos, o computador é, claramente, um meio que interage com o utilizador, respondendo aos estímulos dados pelo agente humano. Aqui, o computador, através das suas “respostas” transmite emoções e experiências, contribuindo para o desenrolar da acção, e mostrando a sua faceta “cénica”, tal como é também apresentado no trabalho de Brenda Laurel.
Andreia Sousa desenvolve actualmente um trabalho bastante diferentes dos que foram apresentados. Como designer de aplicações de alto risco, o seu desafio actual é criar interfaces para serem utilizadas nos hospitais por funcionários da área de saúde. No desenvolvimento do seu trabalho, esta designer tem que ter sempre presentes questões relacionadas com a usabilidade, uma vez que lida com aplicações que não podem induzir o utilizador em erro. Tem também que ter em conta o ambiente e as condições em que o software será utilizado para que este se adapte à função e interfira o menos possível na relação médico-doente. É ainda necessário ter em conta que a interface tem que ser desenvolvida para um sistema de touch screen, o que obriga a bastantes restrições a nível de design.
Em aplicações deste género o interface tem que ser o mais "transparente" possível. Ou seja, o conteúdos e as opções têm que estar bem vísiveis no momento exacto sem qualquer margem para erro, mas de uma forma que não altere os métodos de trabalho dos médicos e de maneira a que a interface não desvie a atenção do médico para o computador, deixando de lado o paciente.
Assim, a interface tem que se adequar à função pretendida, mas sem adquirir demasiado protagonismo. E pode ser neste aspecto que encontramos uma relação entre o trabalho actual de Andreia Sousa, onde se pretende criar uma ferramenta para auxiliar o trabalho dos profissionais de saúde, e os trabalhos anteriormente referidos, com um carácter marcadamente experimental onde se pretende que a interface seja um meio que transmite emoções e experiências ao utilizador. Em todos estes trabalhos procura-se eliminar a presença da interface, tendo como objectivo aproximá-la do utilizador para que, tal como defende Brenda Laurel, o agente humano e o computador se unam para concretizar um objectivo único e conjunto.
O teatro como fundação para o pensamento e concepção de linguagens de mediação - acção e significado (versão 2.0)
Tal como já foi referido no post anterior, o público adquire, actualmente, um papel bastante mais activo, participando no desenvolvimento e na definição da acção.
Esta tendência veio trazer novos desafios aos criadores de obras de arte, uma vez que é necessário repensar os meios à sua disposição para veicular o “Conceito” que pretendem transmitir.
A Arte digital procura precisamente desenvolver novas formas de estabelecer uma relação com o público, tal como refere o estudo
“Criatura Digital – Redimensão do Lugar Cénico”, de Bruno Giesteira e João Mota. Neste estudo, os autores referem também Bruce Kurtz para indicar a necessidade de explorar o “sentido de novidade, intimidade, instantaneidade, envolvimento e, particularmente, o sentido do tempo presente”, o que constitui um dos objectivos principais da Arte digital.
O novo papel do público vem também dar uma nova relevância ao Lugar da Acção ou
Lugar Cénico. A noção de espaço acompanhou também o desenvolvimento da Arte. Este é agora um espaço de identidade, afectividade e simbolismo, onde se procura criar uma “relação mais íntima entre o sujeito e o objecto da acção, de forma a atenuar os limites entre a vida e a cena”.
A tecnologia digital oferece diversas potencialidades a este nível, na medida em que permite desenvolver ambientes imersivos, nomeadamente através de sistemas de realidade virtual, onde o público se sente parte da acção.
Procura-se actualmente uma interacção mais espontânea e intuitiva que permita criar uma maior proximidade entre o público ou o utilizador de uma interface e as acções realizadas.
Partindo da ideia de que o público adquiriu uma nova dimensão,
Brenda Laurel (designer, investigadora, escritora e performer americana) procura dar um maior destaque ao participante ou utilizador de uma actividade de interacção humano – computador.
O trabalho desenvolvido por Brenda Laurel procura desmistificar a ideia do estabelecimento de uma relação “fria” e distante entre a máquina e o computador. Defende ainda a “ubiquidade” da tecnologia, para que esta permita criar uma espécie de unidade entre o público e a acção, tal como acontece no Teatro, onde a audiência se torna parte da acção e estas adoptam um objectivo único e conjunto. Tendo em conta esta linha de pensamento, não é de estranhar que Brenda Laurel tenha raízes no mundo do Teatro e não tenha um percurso exclusivamente ligado aos computadores.
Assim, tal como
Meyerhold (actor e encenador russo) sistematizou para o Teatro, ao colocar a luz, o cenário e o actor no mesmo patamar no palco, também Brenda Laurel considera que o participante de uma actividade humano – computador está ao mesmo nível que os restantes agentes virtuais.
Para além disso, Brenda Laurel procura também transpor as linguagens de mediação usadas no Teatro para os sistemas de interacção humano – computador. Ou seja, procura estabelecer relações entre o universo teatral e o universo computacional ao nível das linguagens e mecanismos que permitem a comunicação entre o sistema e o participante, o que, de acordo com o estudo “Criatura Digital – Redimensão do Lugar Cénico”, irá trazer vantagens para o os sistemas humano – computador, conferindo-lhes “maior realismo e proximidade emocional com as acções representadas, optimizando emotiva e sensorialmente o diálogo entre o humano e o sistema”.
No seu livro “Computer as Theatre”, Brenda Laurel defende que os princípios das linguagens de mediação e do design de interacção podem partir de várias convenções teatrais, nomeadamente, alguns princípios enumerados por
Aristóteles. Recorrendo às premissas “herdadas” do Teatro, Brenda Laurel procura minimizar, ou mesmo fazer desaparecer, a presença da sensação de se estar a lidar com uma interface, para que o agente humano se concentre essencialmente na acção a desempenhar.
Brenda Laurel acredita que o computador oferece inúmeras possibilidades, para além de apenas transmitir factos e dados. Defende que, tal como acontece no Teatro, o computador pode ser usado como um meio para fazer chegar ao agente humano emoções e experiências.
De facto, parece notório que, actualmente, o design percorre um caminho mais direccionado para uma vertente mais interactiva e mais “teatral”, uma vez que o computador deixa se ser visto como uma mera ferramenta de trabalho e passa a ser encarado, tal como referem Bruno Giesteira e João Mota, como “o meta-meio computacional” que poderá levar o participante a sentir “o envolvimento e a sensação de se tornar agente directo de uma representação, respondendo aos novos paradigmas de interacção que se avizinham – do “desktop” ao “ubiquitous computing”, abrindo uma nova dimensão ao prazer dramático”.
Com este objectivo de relacionar o universo teatral e computacional, Brenda Laurel parte, então, dos seis elementos qualitativos do drama, identificados por Aristóteles, e adapta-os ao mundo da interacção humano – computador.
Estes seis elementos são, assim, Acção, Personagens, Pensamento, Linguagem, Padrão e Espectáculo.
A
Acção é responsável pelo desencadear e pelo desenvolvimento dos restantes elementos, sendo esta que impõe os requisitos e características dos outros elementos qualitativos da representação.
A
Personagem corresponde às entidades que podem despoletar acções, sendo que este elemento tem uma série de restrições e predisposições, que estão relacionadas com as acções que o agente pode ou não desempenhar.
Estas restrições podem ser apresentadas ao agente humano durante a acção, por exemplo, através de menus e comandos sempre visíveis. Para proporcionar um maior conforto ao agente humano no contacto com o sistema, pode-se também “atrasar” a interacção do agente humano através da criação de uma “introdução” expositiva para que o agente se sinta familiarizado com o sistema.
O
Pensamento, de acordo com Brenda Laurel, está relacionado com o processo de escolha e, consequentemente, com a cognição, emoção e razão. O elemento pensamento está, assim, na origem dos elementos Linguagem, Padrão e Espectáculo, uma vez que é a partir de uma determinada escolha, ou seja a partir de um Pensamento, que o agente humano (Personagem) desencadeia a Linguagem e também o Padrão e o Espectáculo.
Quanto ao processo de escolha, Brenda Laurel recorre ao modelo de representação de
Stanislavski (actor e encenador russo) para ajudar a compreender os processos de escolha do agente humano e perceber de que forma a escolha pode ser afectada por motivos de ordem emotiva e psicológica.
O elemento
Linguagem corresponde à forma de comunicação entre a audiência e a acção, ou seja, entre o agente humano e o computador. A Linguagem é, então, expressa por todos os dispositivos que podem ser usados pelo agente humano, tais como: teclado, rato, dispositivos de reconhecimento de voz, animações, signos gráficos, etc. A Linguagem está, então, naturalmente condicionada pelos dispositivos de input e output, disponibilizados pelo sistema.
O
Padrão é apenas um fenómeno sensorial, uma vez que torna físico o elemento Linguagem através de sons, imagens ou movimento.
O elemento
Espectáculo surge, assim, como o elemento final, sendo o resultado a ligação entre todos os elementos qualitativos.
Desta forma, Brenda Laurel consegue sistematizar a ligação entre os diversos agentes de um sistema humano – computador, integrando-os no mesmo nível de acção, tal como Meyerhold havia perspectivado para o universo do Teatro. Brenda Laurel, ao basear-se também no trabalho de Stanislavski, procura mostrar as potencialidades dos sistemas humano – computador, defendendo a introdução de aspectos psicológicos e emotivos e enfatizando relações e interacções humano – computador com um cariz mais dramático e mais próximo do Teatro.
O teatro como fundação para o pensamento e concepção de linguagens de mediação - acção e significado (versão 1.0)
A procura de novas formas de expressão e de representação da realidade criou uma ruptura com a visão “tradicional” da arte, pautada por um carácter mais autónomo e mais distante do público. Nasceu, desta forma, uma vontade de transformar o público em algo mais do que um mero espectador que apenas “passa” pela obra sem deixar a sua “impressão”.
Assim, o público é, actualmente, o elemento fundamental em muitos trabalhos artísticos. Instações ou algumas peças de teatro podem constituir exemplos de obras onde o público é chamado a intervir e mesmo a ser mais do que a personagem principal. O público passa a ser também criador da obra, na medida em que esta se vai desenvolvendo e evoluindo a partir dos inputs do público.
O desenvolvimento dos meios tecnológicos e a cada vez maior versatilidade que estes proporcionam dão ainda mais destaque a esta tendência, uma vez que constituem os meios ideais para despoletar a participação do público. A Arte Digital, ou seja a arte assistida por computador, procura precisamente criar um ambiente onde o público possa interagir com múltiplas ideias e objectos.
Surge, então, a necessidade de criar novas formas de comunicação com o público para convidá-lo a participar na obra e também para que este possa perceber como interagir. Ou seja, é necessário desenvolver mecanismos e linguagens de mediação entre o público e a acção, para que se possa criar um ambiente imersivo que apele à participação do público.
Acção, Personagens, Pensamento, Linguagem, Padrão, Espectáculo são definidos por Aristóteles como elementos qualitativos do drama. Brenda Laurel parte desta sistematização para a adaptar ao meio computacional e criar meio de comparação entre o universo do teatro e o universo da interacção humano-computador.
Bruno Giesteira e João Mota, no estudo “Criatura Digital – Redimensão do Lugar Cénico” procuram precisamente analisar o desenvolvimento de linguagens de mediação para perceber como é que se pode estabelecer uma “relação mais íntima e emotiva entre o sujeito e o objecto de acção” durante a interacção do público no “meta-meio computacional, nomeadamente em obras de Arte Digital.
É sobre este estudo que irei falar no próximo post, procurando também perceber de que forma é que o teatro pode ajudar a pensar a interacção com o púbico.
Design emocional
Uma consola de jogos que, para além da sua utilização habitual como meio de entretenimento, pode ser também uma ferramenta de aprendizagem ou meio de demonstração e apresentação de receitas culinárias. No livro “Emotional Design – Why We Love (or Hate) Everyday Things” Donald Norman apresenta esta ideia, ou seja, sugere uma consola de jogos “multifacetada” que pudesse ser usada por toda a família, em tarefas muito diferentes.
Aparentemente, esta ideia parece não ser muito inovadora, uma vez que numa consola de jogos também podemos ver filmes, por exemplo, e não apenas jogar. No entanto, Norman desenvolve esta ideia, afirmando que esta consola poderia adaptar-se à função que estaria a desempenhar num dado momento. Ou seja, a consola iria sofrer um “processo de metamorfose” para apresentar um aspecto diferente consoante a sua utilização.
Assim, se estivéssemos a usar a consola como uma espécie de livro de instruções, que conduz uma reparação de mecânica, esta teria um design mais sério, com uma aparência mais austera e que não pudesse ser facilmente danificado. Apresentaria manuais e desenhos de automóveis e pequenos vídeos com os passos a executar para fazer a reparação. Se a consola fosse usada como um assistente de cozinha, o seu design adaptar-se-ia à decoração da cozinha. Na sala de estar a consola poderia ser usada como uma enciclopédia ou como um adversário em jogos de palavras ou no xadrez, adaptando-se também à ambiência e à mobília da sala.
Norman apresenta, assim, um design adequado à audiência, ao local e à função. Passariam, então, a existir vários tipos de consolas, adequados ao público e à função que se propõem desempenhar.
Quando escolhemos um produto, não pensamos só na sua usabilidade. A componente estética também tem uma interferência muito relevante nesse processo de selecção. Desta forma, a opção por um produto em detrimento de outro tem também um carácter mais psicológico, relacionado com as emoções. Norman defende mesmo que a componente emocional de um produto pode ser mais crítica para o sucesso de um produto do que a sua componente mais “prática”.
Isto é, a escolha de um produto depende da ocasião, do contexto e, principalmente, do estado de espírito.
Com o exemplo da consola de videojogos, Donald Norman introduz também o conceito de design emocional e também os seus três níveis (visceral, behavioral e reflective). Ou seja, cada consola seria pensada para se adequar à sua função, ao contexto em que seria utilizada e, especialmente, ao público-alvo.
Tal como já foi referido, Norman refere três aspectos de design: visceral, behavioral e reflective. O “visceral design” relaciona-se com as aparências, ou seja, tem a ver com a componente estética do produto. O “behavioral design” liga-se ao prazer e à eficácia de utilização. O “reflective design” relaciona-se com a racionalização e a intelectualização do produto (a história que o produto “conta”).
Estas três dimensões fazem parte do design de qualquer produto e estão inter-relacionadas entre si. Para além disso, estas três componentes relacionam-se quer com as emoções, quer com a cognição ou razão.
Ao contrário de muitas tendências que colocam a emoção e a razão em pólos antagónicos, parece claro que a emoção faz parte de todas as tarefas que realizamos (mesmo que inconscientemente) e tem um papel importante mesmo naquelas que são mais racionais.
Para enfatizar esta ideia, Donald Norman refere os estudos de António Damásio. De acordo com este neurocientista, pessoas com deficiências cerebrais que afectam o sistema emocional têm dificuldades em escolher entre duas alternativas, especialmente se estas forem muito semelhantes entre si ou equivalentes. Para além disso, o sistema emocional está intimamente associado a factores comportamentais. A emoção é responsável pela criação de respostas do corpo adequadas a cada situação.
Para Norman, a cognição ou razão ajuda a interpretar e compreender o mundo, enquanto a emoção permite que tomemos decisões mais rápidas sobre este.
Assim, a emoção interfere na forma como solucionamos os problemas, ou seja, o sistema emocional conduz o funcionamento do sistema racional.
Neste aspecto, o desenvolvimento e implementação do design emocional pode trazer muitas vantagens no que diz respeito ao conhecimento do utilizador de um produto e, especialmente, na compreensão da forma como o utilizador “vê” um produto, quais a sensações que lhe provoca e como reage a este.
A componente estética “acorda” as emoções?
A emoção é a personagem principal das decisões do nosso quotidiano, ajudando-nos a lidar com situações distintas, boas ou más.
As emoções positivas são relevantes no que diz respeito à aprendizagem, à curiosidade e ao pensamento criativo. Quando uma pessoa se sente bem consegue, mais facilmente, encontrar soluções mais criativas para os problemas.
E é nesta fase que entra a componente estética. Produtos mais atractivos esteticamente fazem com que os seus utilizadores se sintam melhor, o que faz com que estes pensem de uma forma mais criativa.
Este facto tem também implicações na usabilidade e na eficácia de um produto. Por exemplo, no caso de um programa de software, se utilizador errar vai tentar repetir a operação e pode acabar por desistir, vencido pela ansiedade e pelo stress. Este efeito negativo leva os utilizadores a concentrarem-se nos detalhes e a não procurarem soluções alternativas para resolver o problema. No entanto, se a interface desse produto fosse mais atractiva e conseguisse provocar emoções positivas no utilizador, este estaria mais preparado para desenvolver soluções mais criativas. Ou seja, teria a mente “mais aberta” para encontrar caminhos alternativos.
Em resumo, tudo o que fazemos tem uma componente afectiva que se alia a uma componente cognitiva. A dimensão cognitiva produz significado, enquanto a afectiva produz valor. O nosso estado emocional, quer positivo, quer negativo, influencia a forma como agimos.Assim, o nosso cérebro tem também três níveis de funcionamento - “visceral”, “behavioral” e “reflective” – que correspondem às três dimensões do design já referidas.
O primeiro nível – “visceral” – controla o sistema motor e faz uma análise rápida das situações, levando o corpo a reagir adequadamente, consoante situações boas ou más, de perigo ou de segurança.
O nível “behavioral” não actua conscientemente. Está determinado biologicamente e pode ser inibido ou despoletado pelo nível “reflective” e, por sua vez, pode inibir ou despoletar acções no nível “visceral”.
A última dimensão – “reflective” – relaciona-se com o pensamento consciente, com a aprendizagem de novos conceitos e com generalizações sobre o que nos rodeia.
O cérebro reage de formas diferentes consoante a situação em que se encontra, ou seja, consoante o estado psicológico da pessoa.
O design deve, então, ter em conta o estado psicológico do público-alvo do produto. Assim, se os utilizadores vão usar o produto num contexto descontraído e se são pessoas relaxadas e alegres, o design deve ter em conta que este tipo de utilizadores é mais criativo e conseguirá ultrapassar facilmente alguns problemas, especialmente se o produto lhe despertar sensações positivas durante a sua utilização.
Pelo contrário, se o produto se dirige a pessoas mais tensas ou ansiosas, o designer deve ter em conta que estas estarão mais concentradas, o que lhes “corta” a possibilidade de contornar eventuais problemas. Assim, o design deste produto deve ser pensado para toda a informação necessária para cumprir uma determinada tarefa esteja facilmente disponível. O sistema deve também fornecer um feedback claro e objectivo para que o utilizador perceba se está ou não a realizar a tarefa correctamente.
A componente emocional de um produto, é de facto, relevante para a criação de uma relação com o utilizador e para o levar a usar o produto com mais eficiência e eficácia, através do despoletar de sensações mais positivas que “despertam” a criatividade e a capacidade de contornar e de tolerar pequenos problemas.
Os níveis de funcionamento do cérebro e os correspondentes níveis de design devem ser estudados e desenvolvidos de forma a tornar os produtos mais emocionais, para que estes se possam tornar mais adequados ao utilizador, ou seja, para que estejam mais “próximos” deste.
De acordo, com Donald Norman, este objectivo passa também pela segmentação dos mercados e pela criação de produtos especialmente pensados para as diferentes tipologias de público, uma vez que, de facto, é impossível agradar a gregos e a troianos…
Directivas de acessibilidade para idosos - desenvolvimento de uma checklist para avaliação (versão2.0)
A
checklist para a avaliação de acessibilidade web para idosos, criada por Márcia Barros de Sales e Walter de Abreu Cybis, está organizada de acordo com os critérios de ergonomia de
Scapin & Bastien e dividida em 10 subconjuntos de checklists:
-
Compatibilidade;
-
Flexibilidade (relaciona-se com meios alternativos de aceder ao conteúdo e de interagir com o sistema);
-
Legibilidade;
-
Controlo do utilizador (relativo a alterações automáticas do conteúdo da página);
-
Agrupamento/ distinção por localização (diferenciação de diferentes tipos de conteúdo);
-
Significados dos códigos e denominações;
-
Presteza (relaciona-se com mecanismos de ajuda e de orientação na navegação no site);
-
Acções mínimas;
-
Consistência;
-
Densidade informacional.
Relacionadas com cada um destes critérios de ergonomia, foram então agrupadas diversas questões que compõem a checklist. Esta foi elaborada tendo por base vários princípios de usabilidade e acessibilidade, nomeadamente os apresentados pela
W3C e também a partir dos resultados obtidos na observação da oficina de idosos e nos problemas encontrados por estes utilizadores enquanto navegavam na Internet.
No entanto, parece-me que a oficina de idosos podia ter sido pensada de uma forma diferente, o que poderia ter levado a conclusões necessariamente distintas. Tal como foi referido no final do último post, os idosos escolhidos para participar na oficina constituíam um grupo muito homogéneo, o que poderá ter comprometido os resultados, que se esperava que fossem representativos e que pudessem ilustrar o universo dos idosos. Se os idosos escolhidos eram todos reformados do Banco do Brasil e viviam na mesma cidade, não se estaria, então, a comprometer o significado dos resultados?
Possivelmente, os resultados seriam diferentes se os 10 idosos seleccionados tivessem proveniências diferentes, a nível geográfico e, especialmente, a nível cultural, educacional e económico. Uma vez que os idosos que participaram na oficina trabalharam na mesma empresa, têm, provavelmente, um background muito parecido. Este facto tornou os resultados muito semelhantes e evitou que se pudessem identificar outros problemas que idosos de outros contextos podem ter, mas que não se manifestam nos idosos seleccionados.
Para além disso, estes idosos foram também escolhidos por revelarem uma certa apetência para o contacto com tecnologias da informação e “por apresentarem um alto nível de motivação para o aprendizado da informática”, que tinham evidenciado em oficinas realizadas anteriormente. Aliás, este parece ter sido o único factor que esteve na base da selecção destes idosos. Pelo menos, este é o único motivo apontado pelos autores da checklist no artigo
“Desenvolvimento de um checklist para a avaliação de acessibilidade da web para usuários idosos”.
Será que o interesse pela informática é uma característica que, por si só, possa identificar possíveis utilizadores da Internet? Talvez seja necessário ter em conta outros idosos que se vêem na necessidade de recorrer à Internet para obter uma determinada informação ou serviço que não está disponível noutro suporte, mesmo que estes não tenham um gosto especial pelas novas tecnologias, mas sejam “obrigados” a recorrer a estas por imperativos económicos ou relacionados com dificuldades motoras.
Apesar de tudo, a realização desta oficina serviu para identificar alguns problemas da população idosa e serviu de base para a pesquisa realizada posteriormente, relativa a critérios ergonómicos.
No entanto, quando observamos o resultado final, vemos que apenas duas questões da checklist foram criadas a partir de problemas identificados durante a oficina de idosos.
Estas questões relacionam-se com compatibilidade e correspondem às questões 8 e 9 deste subconjunto. Estas questões dizem respeito, respectivamente, à necessidade de permitir uma fácil identificação do cursor (quer através do contraste deste com os elementos da página, quer através do seu tamanho) e à necessidade de ter em atenção o tamanho de botões, caixas de selecção, barras de scroll, etc., uma vez que os idosos apresentam dificuldades de motricidade fina e têm dificuldade em seleccionar objectos pequenos.
Assim, parece que, na realidade, a realização da oficina de idosos permitiu chegar a poucas conclusões verdadeiramente novas. Se, numa checklist com 39 questões, apenas 2 partiram desta observação directa dos idosos, parece que todos os problemas que estes enfrentam quando navegam na Internet já estavam cobertos por outras checklists ou por normas de acessibilidade. Se assim for, esta checklist não traz nada de inovador a nível de acessibilidade e pouco pode fazer pelos idosos.
Tal como já foi também referido, o desenvolvimento desta checklist teve também como base as
directivas W3C relativas à acessibilidade web. Estas directivas estão divididas de acordo com três graus de prioridade, sendo o primeiro extremamente necessário para tornar o site acessível e o terceiro apenas para melhorar a acessibilidade do site. Com estas normas, a W3C pretende tornar os sites mais acessíveis a todos os utilizadores, independentemente dos dispositivos que estes utilizem para aceder à Internet e independentemente de quaisquer problemas e limitações associadas à utilização da Internet (quer se relacionem com factores do foro físico ou psicológico do utilizador, quer se relacionem com o ambiente em que este se encontram no momento do acesso).
Desta maneira, as directivas de acessibilidade web W3C conseguem ultrapassar os problemas específicos de utilizadores com deficiência, adequando-se a todos os utilizadores que, por motivos diversos, têm problemas quando pretendem realizar qualquer acção na Internet.
É muito natural, então, que as directivas W3C tenham sido usadas com base para o desenvolvimento desta checklist específica para utilizadores idosos. No entanto, seria de esperar que este trabalho fosse mais além do que simplesmente compilar as directivas da W3C que se adequam mais aos problemas evidenciados pelos utilizadores idosos. Mas, de facto, parece que é isso mesmo que acontece. A maior parte das questões da checklist fazem apenas uma “reformulação” de directivas da W3C. Assim, não apresentam nenhuma norma “revolucionária”, apenas adaptam as directivas existentes ao contexto da população idosa. Mesmo quando se indica que existe uma “reformulação e extensão” de um ponto de verificação de uma directiva, a questão da checklist apresenta um significado praticamente igual ao do ponto de verificação da W3C.
Por exemplo, se tivermos em conta a questão 3, do subconjunto relativo a compatibilidade e o ponto de verificação W3C que lhe deu origem, percebemos facilmente que a checklist não acrescenta nada de novo.
Checklist: compatibilidade – questão 3
“Verifique se as páginas estão livres de intermitência (efeito de piscar) de elementos visuais no site (ex.: propagandas, bullets, ícones) e, caso exista, se o usuário pode facilmente desativar este efeito.”
W3C: 7.1
“Evitar concepções que possam provocar intermitência do ecrã, até que os agentes do utilizador possibilitem o seu controlo”
De qualquer das formas, mesmo que esta checklist não seja inovadora, apresenta a vantagem de sistematizar e de agregar várias informações, permitindo assim, de uma forma mais directa, que se possa avaliar a acessibilidade de um site em relação a utilizadores idosos.
Para além disso, as questões são apresentadas de forma muito clara, o que faz com que qualquer pessoa possa perceber rapidamente a que se referem. São apresentados exemplos que permitem a identificação imediata dos elementos em questão.
Existe também a nomeação dos elementos a que cada questão de aplica directamente, o que torna a avaliação mais rápida e pode ajudar se necessitarmos apenas de avaliar a acessibilidade relativamente a um elemento. Por exemplo, se quisermos apenas avaliar a forma como os idosos podem ter acesso a imagens num site, será muito mais fácil e eficaz recorrer a esta checklist.
Todas as questões apresentam também a indicação da necessidade de estarem incluídas na checklist, ou seja, apresentam a sua relevância. Esta indicação permite não só compreender a origem da questão, mas também identificar os problemas que a população idosa enfrenta quando está a utilizar a Internet. Estas informações são úteis também para sensibilizar os criadores de páginas e conteúdos web para os problemas dos idosos e para os levar a cumprir estas questões de modo a tornar os seus sites acessíveis a este público.
Outro dos pontos positivos desta checklist é que, mesmo nas questões, que não tiveram por base directivas W3C, é usado o mesmo critério para indicar a relevância do cumprimento de cada uma das questões. Assim, qualquer pessoa que pretenda avaliar a acessibilidade de um site, relativamente a utilizadores idosos, e que conheça as directivas W3C, pode facilmente saber que importância e que prioridade têm cada uma das questões.
A criação desta checklist serve também para alertar para a necessidade de ter em consideração questões relacionadas com acessibilidade, especificamente direccionadas para uma faixa de público que está a crescer a um ritmo bastante acelerado, uma vez que a esperança média de vida está também a aumentar e o número de crianças e de pessoas em idade activa a diminuir.
Para além disso, se os sites tiverem em consideração as questões levantadas por esta checklist estarão também a permitir o acesso a pessoas que, não sendo idosas, também têm problemas idênticos aos das pessoas mais velhas, como dificuldades visuais ou auditivas e problemas de motricidade.
Directivas de acessibilidade web para idosos (versão 1.0)
Hoje em dia, a Internet é considerada uma das ferramentas mais eficazes para comunicar com o mundo, procurar informação e mesmo trabalhar. De facto, a Internet assume cada vez mais um papel central nas nossas vidas, fruto de todas as possibilidades que nos proporciona, mas sobretudo devido ao espantoso desenvolvimento deste sector da comunicação.
Contudo, nem sempre os avanços tecnológicos são apenas sinónimo de vantagens e de benefícios para os utilizadores dessa tecnologia. O rápido desenvolvimento da Internet pode, precisamente, também ser considerado um exemplo de um desenvolvimento tecnológico que, em muitos casos, não foi bem conseguido. Assim, a Internet não se desenvolveu de forma a chegar a cada vez mais utilizadores, permitindo o desenvolvimento de uma rede de informação e comunicação verdadeiramente global. Em muitos casos, deu-se um efeito contrário, levando a que muitos utilizadores ou potenciais utilizadores ficassem “fora” deste universo, tornando-se excluídos digitais.
A população idosa é, sem dúvida, um dos grupos que mais dificuldades tem em se adaptar à velocidade “vertiginosa” das mudanças da Internet. Por diversas razões, relacionadas com o questões de saúde ou com problemas em lidar com as novas tecnologias, os idosos têm vários problemas quando pretendem utilizar um interface web. Por isso, é necessário ter em conta as especificidades desta faixa etária quando desenvolvemos produtos online. Este aspecto torna-se especialmente relevante quando o produto em questão tem como público-alvo os idosos.
A acessibilidade web para idosos assume também uma especial relevância se tivermos em conta o envelhecimento da população. Ou seja, o número de idosos aumenta consideravelmente e é preciso criar mecanismos para responder eficazmente às necessidades destes cidadãos, para que estes possam disfrutar das potencialidades da Internet em pé de igualdade com os resto da população.
Tendo em conta as questões da acessibilidade e os problemas de acesso à Internet das pessoas mais velhas, Márcia Barros de Sales e Walter de Abreu Cybis, da Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil), desenvolveram uma
checklist para avaliação de sites de acordo com directivas especialmente pensadas tendo em conta os idosos e as suas necessidades.
Assim, esta checklist permite a avaliação de websites tendo em conta uma série de princípios de acessibilidade e de ergonomia.
O desenvolvimento das questões desta grelha de avaliação teve como base questões directamente relacionadas com a acessibilidade e a usabilidade web, mas também problemas específicos dos idosos como questões sensoriais (diminuição de capacidades visuais), físicas (problemas de motricidade) e cognitivas (redução das capacidades de memória a curto prazo).
Para além disso, foi também constituído um grupo de 10 idosos que testou um sistema de correio electrónico -
Internet Messaging Program. A análise destes testes serviu também para perceber de que forma a população idosa interage com a Internet e para registar as principais dificuldades encontradas durante o processo.
No entanto, os utilizadores escolhidos para realizar este teste apresentavam características muito semelhantes. Todos os utilizadores residiam na mesma cidade, eram ex-funcionários do Banco do Brasil e apresentavam um nível de motivação para o contacto com a Internet bastante elevado. O facto da amostra ser bastante homogénea, pode ter algumas repercussões nos resultados finais, uma vez que estes poderão não ser muito significativos.
Deve-se também ter em conta que apenas foi analisado um sistema online, com um objectivo muito específico (enviar e visualizar mensagens de e-mail). Assim, a identificação de problemas pode também ter ficado um pouco aquém do que seria se esperar, uma vez que, em contacto com um sistema interactivo diferente, os utizadores poderiam ter identificado problemas muito distintos.
Esta checklist tem como base as directivas web W3C. A relação existente entre estas e as questões da checklist serão analisadas no próximo post, assim como a pertinência das questões escolhidas para fazer parte da checklist e a sua relevância na avaliação da acessibilidade web para idosos.
Jornal de Negócios - avaliação heurística
A avaliação do site do Jornal de Negócios passou também por uma análise não empírica, baseada avaliação heurística introduzida por Nielsen e Molich em 1990. Assim, procurou-se analisar o site através da confrontação da sua interface com um conjunto de heurísticas.
Esta análise baseia-se também na estrutura, criada em 1994 por Darryn Lavery, Gilbert Cockton e Malcolm Atkinson, que sistematiza as heurísticas de Nielsen (revistas em 1994)
Esta estrutura procura, para cada heurística, definir o que o sistema ou o utilizador deve fazer para satisfazer a heurística (Conformance Question), apresentar indicações ou provas do cumprimento ou incumprimento dessa heurística (Evidence Conformance) e apresentar as razões da existência ou inexistência dessa heurística, apresentando os problemas de usabilidade que a heurística procura evitar (Motivation).
As heurísticas que foram usadas para avaliar este site são: visibilidade do estado do sistema, relação entre o sistema e o mundo real, controlo e liberdade do utilizador, consistência e standards, prevenção de erros, reconhecimento em vez de lembrança, flexibilidade e eficiência de uso, design e estética minimalista, ajuda aos utilizadores no reconhecimento, diagnóstico e prevenção de erros e ainda ajuda e documentação.
Visibilidade do estado do sistema
O feedback do sistema, no caso do site do Jornal de Negócios, deveria fornecer informação sobre o progresso da realização de uma determinada tarefa. A presença de feedback consegue também ajudar a reduzir a ansiedade do utilizador, permitindo que este saiba se a tarefa está ou não a ser realizada.
No entanto, no Jornal de Negócios não existe qualquer mecanismo que indique ao utilizador qual o estado do sistema. Este tipo de informação é apenas fornecido através do browser.
Relação entre o sistema e o mundo realTendo em conta que o público-alvo do site do Jornal de Negócios é constituído principalmente por utilizadores de alguma forma relacionados com a área económica, é especialmente através da linguagem usada que se nota uma adequação entre o sistema e o mundo real. A linguagem usada pelo site é bastante clara e facilmente identificável. São usados termos com os quais os economistas lidam diariamente como “mercados”, “índices” ou “câmbios”.
No caso deste site, o cumprimento desta heurística é muito importante, uma vez que faz com que os utilizadores se sintam confortáveis com a informação disponibilizada.
Mas, para além da informação textual, é necessário também ter em conta a informação gráfica que é disponibilizada. Também aqui existe uma relação com o mundo real. Nota-se uma preocupação em oferecer aos utilizadores informação em vários gráficos, o que é uma forma muito usada no dia-a-dia para apresentar informação económica.
Para além dos gráficos, outro exemplo da importância dada a esta heurística é o ticker, que apresenta a cotação dos principais índices. Esta funcionalidade ocupa uma posição de destaque no topo da homepage, mas pode também ser disponibilizada como pop-up, para o utilizador a consultar enquanto está noutras páginas.
Controlo e liberdade do utilizadorNo caso do site do Jornal de Negócios, funções normalmente associadas ao controlo e liberdade do utilizador, como voltar atrás e sair da aplicação, estão disponíveis no browser. No entanto, a presença constante do menu do lado esquerdo dá uma certa liberdade ao utilizador, que pode facilmente “saltar” de uma página para a outra quando quiser.
Muitas vezes, acredita-se que um sistema interactivo deveria permitir ao utilizador interagir quando e como deseja. No entanto, nem sempre se deve tentar cumprir ao máximo esta heurística, já que ela também pode ser considerada uma “faca de dois gumes”. Ou seja, se por um lado o utilizador sente que domina completamente o sistema, por outro lado pode também sentir-se desorientado. Bruce Tognazzini alerta-nos precisamente para esta situação no seu artigo “First Principles of Interaction Design”, quando fala sobre a autonomia do utilizador.
Assim, mesmo que não se dê muita liberdade ao utilizador, esta é também uma forma de o encaminhar até á informação.
Consistência e standards
Tal como a relação com o mundo real, esta heurística torna-se importante no contexto dos sites informativos, uma vez que dá segurança ao utilizador, o que indirectamente poderá ser relacionado com a fiabilidade da informação apresentada pelo site.
Para além disso a presença desta heurística permite aos utilizadores, a partir de uma acção, conhecerem o funcionamento de uma série de acções, diminuindo o grau de conhecimento do utilizador necessário para interagir com o sistema.
Neste aspecto, o site do Jornal de Negócios está bastante consistente e várias informações são disponibilizadas da mesma forma e com os mesmos tipos de conteúdos associados.
Prevenção de erros
Neste caso, o cumprimento das especificações desta heurística é bastante relevante, uma vez que os erros levam à ineficiência e ineficácia da utilização do sistema e também têm efeitos negativos no estado psicológico do utilizador.
No site do Jornal de Negócios, apesar da utilização de termos da “gíria” da Economia, existem algumas falhas que podem levar o utilizador a não seguir o caminho desejado, como é o caso da secção “agenda”, o que demosntra alguns problemas ao nível da arquitectura da informação.
Reconhecimento em vez de lembrançaTendo em conta o carácter deste site, que pretende ser informativo e não é propriamente um programa em que o utilizador precisa de se lembrar de atalhos e de comandos, não é muito relevante o cumprimento desta heurística, já que os utilizadores navegam essencialmente através dos links que, na maioria dos casos, são textuais ou têm texto associado.
Flexibilidade e eficiência de usoNo caso do Jornal de Negócios, esta heurística pode ser importante mais uma vez devido à natureza da informação disponibilizada. Esta necessita de ser permanentemente actualizada, por isso, acaba também por ser necessário criar uma forma de aumentar a eficiência dos utilizadores para que estes possam facilmente aceder à informação.
No entanto, não existem grandes mecanismos que permitam o cumprimento desta heurística. Para além dos gráficos disponíveis na homepage, que permitem ao utilizador facilmente consultar as mais recentes actualizações da bolsa, não existe uma forma de o utilizador melhorar a sua acção a não ser através de um maior conhecimento do site, o que obviamente demora tempo.
Estética e design minimalistasNo caso dos sites informativos, por vezes torna-se necessário agrupar a informação em poucas categorias, o que devido à especificidade de alguns temas pode ser difícil. Para além disso, os sites dos jornais apresentam muitas informações para além de notícias, como publicidade e autopromoção, o que pode quebrar as determinações desta heurística e mesmo causar ruído na página, diminuindo também a eficiência do utilizador.
Relativamente ao Jornal de Negócios, existem muitas opções disponíveis, o que pode confundir o utilizador, dificultando a sua escolha e reduzindo a sua eficiência.
Esta heurística torna-se importante pela necessidade de garantir um acesso simples e rápido à informação. No entanto, não existiu um grande cuidado neste âmbito o que só prejudica os utilizadores.
Ajuda aos utilizadores no reconhecimento, diagnóstico e recuperação de errosTal como não existem mecanismos que prevenção de erros, também não existem grandes respostas a esta heurística. A única excepção surge, no entanto, quando o utilizador pretende aceder a conteúdos restrictos, aos quais só é possível aceder mediante login. Nestes casos, o utilizador é avisado desse facto e encaminhado para o login ou para o link onde se pode registar, caso se trate de um utilizador não registado.
Ajuda e documentaçãoNo caso deste site, não é expressamente necessária a presença de ajuda. Tal como já foi referido, a maior parte dos utilizadores do site têm conhecimentos na área económica e facilmente se orientam. No entanto, a presença de um mapa do site já não seria tão dispensável e pode ser uma grande falha no apoio a utilizadores menos experientes.